domingo, 26 de agosto de 2012

Sobre as dunas

jamais vou esquecer aquele modo com o qual me olhava
o jeito que andava, graciosa e bela, mesmo em meio ao deserto
flores murchavam, lagos secavam, mas você continuava intocada
enquanto o meu sangue escorria naquela terra como um rio liberto

nunca me disseram que uma coisa tão bela poderia sem carinho nascer
e que mesmo naquele imenso calor, sem ser cuidada, poderia florescer
as minhas orações foram atendidas, meu bem
eu a cubro com minha pequena e tênue sombra enquanto o vento não vem
e mesmo assim você nunca me direcionou o olhar

sobre as dunas de areia, que ferve sob o céu descoberto
longe do sol eu vislumbro um lugar envolto em escuridão
e lá eu sonho estar, lá eu sonho chegar
mas aqui, ao seu lado eu vejo, uma doce e utópica ilusão

sou como um surdo que tenta entender o que são as cores
como um andarilho preso pelo amor a uma cidade
um amante voraz, apaixonado por uma linda donzela
ou um mercenário que encontrou em um rei sua lealdade

outono

Chove forte nessa época do ano, como um aviso
como uma sentença para o outono que está a aparecer
uma época dura, onde arrancamos com força e raiva
tudo aquilo que não queremos mais ver crescer

no outono, parece que sempre é o momento
em que esquecemos tudo o que tinhamos para fazer
e em um leito nos preparamos, esperando pacientemente
pois é o instante ideal para morrer

Beijos

Beije aquilo que te faz bem, minha querida
com seus doces lábios avermelhados, de uma beleza cintilante
como se acabasse de comer amoras sob uma árvore de sonhos
onde o farfalhar das folhas sempre é constante

Beije a noite, minha querida
pois ela que a esconde quando você desata a chorar
com o rosto enfiado no travesseiro de plumas
sentindo o frio toque do aço, onde a lâmina acabara de cortar

Beije o silêncio, minha querida
pois é ele quem cobre o vazio que a cerca diariamente
sempre presente, de mãos dadas com as sombras
um vizinho que sempre está ali, mas só aparece quando não é conveniente

Beije o peso em seus ombros, minha querida
pois ele que lhe tira o sono durante a madrugada
que dança entre a fumaça do cigarro que você acende desesperada
ou boiando na bebida que do copo foi derrubada

Burlar as regras

eu ordeno que sonhe mais alto que o céu
que voa para além das montanhas e mergulhe através do mar
eu ordeno que esqueça a gravidade por apenas um segundo
e vamos partir desta terra de solo imundo

para além das utopias que sonhamos
para além dos males que causamos
vamos partir para o cinzento desconhecido
para um lugar onde ainda não tenhamos nascido

onde as raízes são tão profundas que as árvores nunca caem
e as folhas de outono nunca são sopradas pelo vento
onde o ar é sempre limpo e o dia é sempre ameno
onde a noite é sempre quieta, de um passar eternamente lento

A criatura no lago

Você quer libertá-lo de sua canção incoerente?
Tornar-se seu senhor e quebrar a corrente?
soltá-lo de sua prisão de vidro, cujo medo ainda sustenta
enquanto a coragem e o calor, de seu coração se ausenta?

os olhos o observam através da superfície lisa
e são feitos de sonhos partidos e lágrimas congeladas
apesar da brasa que arde em seu interior
todas as frágeis lembranças de alegrias, pelo vento são sopradas

é um monstro preso naquele lago congelado?
ou um príncipe com o reflexo de um caminho apodrecido?
teria o destino sido tão cruel com uma bela criatura
ou na verdade, bela ela nunca teria sido?

O corvo e o lobo

eterna sensação de liberdade desenhada na areia
virtude comum entre os jovens construtores de castelos
cujo mar desata em destruir com a sua doce, porém vil, natureza
pois de lá sopra o canto de mais singela beleza

o corvo desata a voar, crescendo sua sombra pela terra
o lobo desata a correr, perseguindo o mundo que o cerca
e a tolerância se ergue quando seus olhos faiscantes se encontram
refletindo sobre os caminhos a se tomar, o corvo torna-se um pensador
e quando molha sua pena no tinteiro, chamam-no de sonhador

já o lobo, veloz como o vento, atravessa o mundo em caça
um violador, em meio à escuridão, com os olhos escuros cintilantes
enquanto a lua ilumina durante a noite inteira a mesma presa
como um caçador natural, com instintos ferozes e constantes

quando os velhos medos partirem e o vento mudar de curso
a água, volátil e sempre mutável, para um lugar inesperado correria
o corvo, voando pelo céu noturno, seguro em sua completa reflexão
mas o lobo, insensato e apressado, afogado morreria