As gotas de chuva caiam violentamente do céu escuro e sem estrelas naquela madrugada de sábado. As nuvens abundantes escondiam toda a luz que vinha de cima, cobrindo o mundo vazio com uma penumbra sombria e, de alguma forma, cheia de receio. Algumas vezes, um raio ou outro rasgava o céu ao meio como uma lâmina e acendia um clarão pálido e momentâneo.
Finalmente encontrei a tal casa.
Em meio à madrugada, um único som enchia o quarteirão, passando por cima do forte assobio do vento e dos trovões. Uma musica vil e repugnante emanava em um volume quase ensurdecedor de um velho sobrado feito de concreto cinzento e não acabado. Gritos e risos também transbordavam de uma janela aberta e com pouca luz.
No sobrado ao lado, que seguia o mesmo estilo, mas com as janelas fechadas e luzes apagadas, um sujeito estava parado de pé sobre o telhado.
Ele vestia-se totalmente de preto, com um sobretudo de couro que descia-lhe até os joelhos. Uma calça escura e folgada terminava em uma sapatilha de artes marciais. Sobre a cabeça, usava uma touca também preta, com uma abertura para os seus olhos e outra na testa, deixando escapar seu cabelo escuro e molhado, caído sobre o pano. Já os olhos, eram angulosos, de íris azulada e fria, aparentemente cansada e melancólica, graças às olheiras escuras e densas no contorno.
Um relâmpago cruzou o céu e seu trovão retumbou alto e poderoso por cima da musica.
Essa musica de merda, gente sem respeito, bando de filhos da puta.
As gotas de água escorriam pelas roupas do homem enquanto ele se abaixava e começava a descer do telhado lentamente, segurando-se no parapeito e colocando os pés sobre a parte de cima de um muro alto. Abaixou e se segurou na grade da janela ao seu lado, equilibrando-se para não cair daquela altura, algo que talvez até o matasse.
Esgueirou-se na escuridão e andou sobre o muro, tomando mais cuidado do que normalmente graças a chuva, até chegar próximo a janela da casa que tanto observava. Abaixou-se e deitou sobre a pequena superfície sobre a qual andava e olhou lá para dentro.
Era um quarto claro e de aparência suja, com um guarda-roupa grande e velho, de um marrom escuro e podre, e uma cama de casal que rangia. Rangia, pois um homem negro e grande estava deitado sobre ela enquanto uma garota, com não mais do que quinze anos, estava sentada sobre ele, cavalgando. Ambos estavam nus.
O sujeito ergueu-se sobre o muro, agarrando-se ao parapeito do telhado e se levantou, ficando de frente para os dois, que nem prestaram atenção.
É ele, mas a vadia não tem nada com isso.
E esperou. A chuva apenas aumentou, mas isso não interrompeu os dois. Após alguns minutos, eles pararam e a mulher desceu do homem. Estavam ofegantes e suados, mas ela foi se vestir, enquanto o homem continuava deitado.
Desligou a musica e, quando terminou de vestir a roupa, andou em direção a porta do quarto. Virou para trás e levantou a mão, pronta para acenar para o homem, mas exatamente nesse instante, um raio prateado cruzou o céu e clareou o mundo fora da janela, afastando as sombras na qual o homem de negro se escondia. Então ela viu o sujeito estranho sobre o muro, de pé, na chuva.
Deixou a mão cair pendente ao lado do corpo, arregalou os olhos e soltou um grito agudo e estridente.
Quando o homem sobre a cama levantou-se para olhar pela janela, o individuo que estava lá fora, saltou de cima do muro para dentro da casa, atravessando a grande janela de vidro e fazendo voarem cacos por todo o aposento. Seu corpo chocou-se com força, contra o do homem e ambos rolaram pela cama, embolados pelo sobretudo, em um emaranhado de pontapés e socos curtos enquanto a mulher corria para fora do quarto.
O homem de negro acertou um soco no lado do rosto do oponente, mas este colocou seus pés sobre o peito do seu agressor e empurrou-o com força.
O homem de negro se desequilibrou para trás, esbarrou em uma cômoda e bateu as costas contra a parede, caindo sentado no chão. Enfiou a mão dentro do sobretudo e puxou um martelo de pregar, de cabo curto e cabeça de ferro maciço.
- Eu sabia que ia te encontrar aqui, Nicolas. – rosnou enquanto se levantava lentamente, apoiando-se com uma mão na cômoda e a outra pendente segurando o cabo do martelo.
Nesse meio tempo, Nicolas havia se levantado e estava de pé do outro lado da cama. Era um homem alto, com musculatura forte por todo o seu corpo de pele escura. Tinha os olhos amendoados e nariz achatado, talvez até quebrado. Possuía um bigode ralo sobre os lábios carnudos e a cabeça raspada.
- Quem é você? Seu louco desgraçado! – berrou ele com sua voz grave, cuspindo as palavras. – O que diabos você quer aqui pulando a porra da minha janela bem depois da minha transa?
- Vingança, seu filho duma puta. – respondeu o homem de negro, como um sussurro ríspido, e arremessou o martelo em direção ao homem.
Sem tempo para qualquer reação, a cabeça de ferro maciço do martelo acertou em cheio o rosto de Nicolas, fazendo-o cair para trás. Sangue espirrou para todos os lados durante a queda em uma pequena chuva vermelha.
O homem de preto se levantou e caminhou em direção a ele, cujo estava de quatro, tentando se levantar. Jorrava sangue de sua boca aberta, espalhando-se sobre o piso em uma poça avermelhada, adornada com um par de dentes muito alvos.
- Esperei a transa, pra te pegar cansado e pelado, seu merda.
Nicolas, ainda de quatro, jogou seu corpo contra as pernas do homem de negro, agarrando suas pernas. Mas o sujeito acertou um chute em suas costelas e este tornou a cair no chão, depois acertou outro pontapé, com muita força, no lado do crânio do homem.
O homem de negro empurrou Nicolas com o pé para o lado, fazendo-o rolar sobre o sangue até ficar de barriga para cima, então agarrou a touca e tirou-a com um puxão.
Era um garoto de dezessete anos, de pele bastante clara e rosto fino, contornado por uma barba mal feita. Passou a mão sobre os cabelos grudados em sua testa e jogou-os para trás.
- Lembra de mim? – disse rangendo os dentes. Abaixou-se próximo ao homem sobre o chão e encarou-o com seus olhos sombrios. – Sou eu, Arthur. O cara que você e seus dois amigos espancaram. O cara que vocês amarraram enquanto estupravam a namorada dele. – completou. Depois deu um soco no nariz do homem com toda a força que conseguiu juntar.
- Lembro sim, aquela sua namorada era muito gostosa. – disse o homem antes de engasgar-se com o sangue em sua garganta e tossir. – comeria ela mais, se pudesse.
Arthur não encontrou palavras para dizer, apenas fechou o punho e desferiu outro soco contra o rosto de Nicolas, que sorria maliciosamente. Não agüentou, cerrou os dentes e continuou. Não saberia dizer quanto tempo ficou lá, acertando socos contra o rosto daquele sujeito desprezível, mas parou quando seus punhos estavam em carne viva. A cada soco, se lembrava dos gemidos da sua namorada. A cada segundo, se lembrava dos momentos que passaram naquele dia.
Quando sentiu o sangue espirrando em seu rosto, parou. Passou as costas da mão sobre a bochecha para tentar limpar o sangue, mas só o espalhou. Estava zonzo e respirando em golfadas pesadas.
- Você, seu filho de uma puta. Eu jurei que ia te encontrar.
Nicolas tinha o rosto cheio de hematomas, inchado e quase desfigurado quando virou a cabeça para o lado, deixando-a tombar sobre a poça e espirrando sangue para todos os lados. Estava quase inconsciente, com os olhos desfocados, olhando para o teto de boca aberta.
Arthur segurou a orelha do homem e puxou com força e segurou dos lados de sua cabeça fazendo-o encará-lo.
- Olha pra mim quando eu estiver falando com você. – rosnou Arthur com raiva. Depois se levantou e caminhou até perto da porta. Abaixavam-se para apanhar o martelo do chão quando ouviu uma voz.
- Nicolas? Quem está aqui?
Merda, a mulher chamou alguém.
Arthur fechou a porta e então foi até o velho guarda-roupa. Ele estava um pouco distante da parede, formando um pequeno vão. O homem de negro colocou os pés na parede e usou a força das pernas para empurrar o móvel com as pernas, depois de não alcançar mais, virou-se e empurrou com o ombro. Era pesado, mas Arthur nunca foi um sujeito realmente fraco, apesar de ser magro, por isso, conseguiu encostar o guarda-roupa na porta, trancando-a.
- Assim ninguém vai nos atrapalhar. – disse com um tom zombeteiro e abrindo um sorriso singelo. – onde estávamos?
Nicolas estava deitado de peito para cima, braços abertos e olhos fechados, quando Arthur se ajoelhou ao seu lado e colocou o dedo próximo de seu nariz quebrado. Ainda está respirando. Pensou quando sentiu o ar quente. Afastou-se e apertou fortemente o cabo do martelo com o punho. Laura...
- Vou deixar uma coisa pra você se lembrar de mim, igualzinho vocês fizeram.
Arthur levantou o braço acima da cabeça, segurando o martelo com força, e depois desceu o braço com força, fazendo o martelo chocar-se com força contra o joelho do homem. Ouviu o barulho de alguém tentando abrir a porta, mas encontrando a resistência do guarda-roupa.
- Filho da puta! Abre essa merda! – gritava a voz lá fora.
Desferiu mais dois golpes, até sentir o osso de Nicolas rachar, fazendo um barulho arrepiante. Depois se levantou e guardou o martelo de volta ao cinto dentro do sobretudo. Apanhou a mascara, manchada com o sangue de Nicolas, e colocou na cabeça. Espero que tenha aprendido. Chutou com força entre as pernas do homem e saiu pela janela.
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