Exausto e ofegante, Sufean corria velozmente entre a densa floresta de Ryhont.
Finas e leves, as pernas do garoto pálido moviam-se graciosamente perante as imponentes e gigantescas arvores de inverno, cujas folhas estavam cobertas por uma fina camada de gelo. Sobre uma camisa branca e simples, um manto negro aberto e sem adornos ondulava em meio ao vento gélido que cortava o ar, dando vida a flocos de neve que caiam de um céu pálido e pesaroso.
O suor descia pelas têmporas suas têmporas em finas linhas de sal e água e seu peito ardia como se estivesse sendo tocado pela brasa quente. Calor. Como eu sinto falta disso. Pensou em seu intimo.
O frio chegara sem aviso e penetrara pela pele de Sufean, congelando-lhe a pele, rachando-a e queimando-a ferozmente, como um ser vivo com vontade própria que fazia de tudo para atrasar sua jornada. Breves geadas caiam às vezes durante alguns minutos, o suficiente para encharcar as roupas suas roupas.
Estava perseguindo o Guardião há dois dias praticamente sem descanso e toda a pista que encontrara neste ultimo dia, foram os rastros de uma corrida apressada para dentro da floresta e o cheiro que ele sempre exalara, um odor fétido de carne em decomposição. As curtas paradas de Sufean eram apenas por tempo suficiente para recuperar o fôlego e comer alguma coisa. Sem fogueiras, sem carne, sem nem um minuto sequer de sono.
Por muitas vezes encontrou diversos tipos de viajantes pelo caminho, mas estes iam ficando cada vez mais escassos à medida que avançava em direção ao norte.
Começou então a diminuir a velocidade gradativamente até, por fim, interromper a corrida. Colocou as mãos suadas e sujas de terra sobre o joelho flexionado, arqueando a coluna para baixo.
- Desgraçado. – murmurou para si mesmo entre as pesadas golfadas de ar, enquanto tentava recuperar o fôlego. – Já deve estar a quilômetros daqui.
Então, puxou seu grosso e liso manto para trás, revelando um punho de espada, feito de couro negro simples e sem adorno, dentro de uma bainha gasta presa ao seu cinto por uma fivela prateada. Enfiou a mão dentro de um dos milhares de bolsos internos da vestimenta e puxou uma pequena corrente de anéis de aço entrelaçado e na sua ponta, da escuridão, surgiu uma chave pequena e dourada, de um formato peculiar, entalhada com muita delicadeza e detalhes. Sua forma adornada era deslumbrante e parecia pertencer a alguma sala de tesouros ou segredos ocultos.
- Aquele bastardo não vai me escapar. – resmungou.
Pendurou a corrente em volta do pescoço, prendendo-a com um fecho simples e escondeu a chave sob a camisa.
Novamente, levou sua mão para o interior do manto e puxou de outro dos múltiplos bolsos, um comprido biscoito alaranjado. Mordeu-o e mastigou-o com seus dentes estranhamente brancos e polidos, que brilharam no crepúsculo. Essa vida não vai me encher a barriga por muito tempo. Pensou.Mas, não posso parar, não ainda. Preciso pegar aquele filho da puta e rasgar-lhe a pele. Sentir o sangue dele no meu rosto.
A noite escura caiu sofre Sufean. Nenhuma luz, tanto das três luas, quanto das estrelas, invadiam a floresta, pois as arvores de inverno eram revestidos de folhas enormes em seus galhos, que impediam a claridade de penetrar o local. O vento castigava o garoto com suas fortes e frias rajadas, chicoteando seu rosto como um capataz enfurecido. Sufean, batendo os dentes e completamente encharcado, cobriu o topo da cabeça usando capuz de seu manto e caminhou tão silenciosamente, com seus pés ágeis e habilidosos, que nem mesmo as estranhas criaturas da noite notaram um estranho em sua floresta.
Depois de algumas horas de caminhada rítmica e uniforme, apertou o passo até transforma-lo em uma leve corrida, mesmo que suas pernas ainda latejassem e tremessem de dor.
As arvores tornavam-se mais altas e velhas à medida que avançava para dentro do coração da floresta, causando-lhe certo receio de continuar a se aprofundar na mata. Então sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha, arrepiando os pelos de sua nuca. Era como se olhos, muitos olhos, estivessem pairando sobre ele, observando-o, escondidos na escuridão da mata. Ele não os via, nem sentia seu cheiro, muito menos ouvia qualquer ruído diferente. Apenas o forte assobio do vento e o farfalhar das folhas acima dele. Finalmente parou.
O que diabos é esse medo? Perguntou a si mesmo.
Ficou parado por um tempo, observando a escuridão a sua volta, tomando cuidado para não fazer qualquer barulho. Nervosos, seus olhos azuis moviam-se para todos os lados, brilhando nas trevas como um foco de inocência. Colocou a mão direita dentro do manto aberto e pousou-a sobre o cabo da espada que pendia no seu cinto. Agarrou-o com firmeza e sentiu uma leve sensação de segurança e pôs-se a caminhar em meio à mata.
Quando estava a certa distancia de onde sentira os olhos na escuridão, Sufean correu e escondeu-se atrás de uma arvore de tronco grosso. Abaixou-se calmamente,sem fazer qualquer barulho, até quase deitar sobre o gramado, então virou a cabeça de lado e tocou a orelha direita no chão. Após alguns segundos, respirou fundo aliviado e esboçou um sorriso.
- Eu ando tenso demais. Devia ser apenas um animal selvagem com seus filhotes. – disse para si próprio e retomou a caminhada.
Uma pequena lontra-das-neves estava escondida em uma fenda entre as fortes raízes de uma arvore. Seu corpo revestido por uma pelugem alva enrolava-se em volta de três filhotes, ainda pelados e rosados, que sobraram da ninhada, cujo frio não havia matado ainda. Seus olhos curiosos, acostumados com a escuridão, brilharam em meio à noite observando o homem de negro afastando-se e esconder-se atrás de um tronco de arvore. Farejou o vento e um ar frio penetrou em seus pulmões, fazendo-a estremecer.
Ontem, um homem de pelos prateados e rígidos com um monstro ao lado. Hoje, um homem de pelos negros vagando sozinho por ai. Há anos que ninguém vinha até essa parte da floresta.
Virando o pescoço, seus olhos fixaram-se nos filhotes, que tremiam de frio.
Coisas estranhas estão acontecendo ultimamente e outras estão para acontecer. Espero que estejam vivos para ver isso.
As geadas haviam cessado por um longo tempo e a silhueta de uma neblina vinha crescendo no ventre da floresta. À medida que Sufean se embrenhava em meio à mata, gradativamente, o vento começou a cessar e tornar-se mais ameno. O farfalhar das folhas cobertas por gelo nos galhos das arvores começaram a tornar-se mais escassos, até mesmo os poucos animais silvestres que apareciam na escuridão da noite, curiosos para observar o viajante, deixar de aparecer. O branco pálido da neblina tornava-se cada vez mais denso, tornando o avanço cada vez mais difícil. Durante a noite inteira, a energia do garoto foi consumida pela corrida. Após algumas horas, os primeiros raios de sol finalmente irromperam no horizonte, afastando a escuridão da noite e sobrepujaram as estrelas. O dia amanhecera mais cinzento que o anterior, mas o simples fato de sentir um mínimo de calor sobre, já reanimou o garoto, que parou sua corrida frenética e postou-se a caminhar novamente. Por um instante, podia jurar que havia ouvido o assobio calmo de um pássaro, avisando que já havia amanhecido, mas não parou para procura-lo.
Continuou avançando entre as arvores por algum tempo, até que a neblina tornou impossível continuar. Os grossos troncos de madeira que se erguiam em direção ao céu como torres, logo começaram a desaparecer em meio à massa branca uniforme que crescia cada vez mais, engolindo Sufean e trazendo-o para seu núcleo.
O garoto continuou sua marcha lentamente com as costas curvadas em direção ao chão, se olhasse para frente, via apenas o branco infinito da neblina, portando ficou feliz por poder ver a grama acidentada no chão.
Finalmente sentiu o cheiro no ar. Um odor familiar de carne pútrida que lhe queimava o pulmão quando inalado. Seus pés dançaram entre as raízes, galhos e pedras, tomando todas as precauções necessárias para não fazer qualquer ruído. Seus olhos faiscavam em direção à frente. Sua mão já jazia no interior de seu manto negro, onde seus dedos estavam fechados com toda sua força em torno do cabo de couro de sua espada.
Seus pés cautelosos avançaram à medida que o terrível odor se tornava cada vez mais forte.
Será que finalmente encontrei aquele desgraçado? Pensou começando a sentir-se animado com o cheiro estranho. É o filho da puta, tenho certeza. Só um bastardo como ele teria esse cheiro.
De súbito, um vento frio soprou do norte fortemente. Pego de surpresa, Sufean deu um passo para trás a fim de se firmar ao solo e continuou caminhando com um braço à frente dos olhos e seus cabelos esvoaçando para trás. Seu manto negro era chicoteado pelo vendaval e se não estivesse preso ao pescoço do garoto, teria voado para o longe e nunca mais o encontraria. A neblina que se estendia à frente de Sufean foi finalmente dissipada pelo vento, abrindo uma pequena parte onde o nevoeiro não podia, ou não queria, avançar.
Essa estranha clareira, cujo era o único lugar que os olhos do garoto podiam ver alguma coisa, estava preenchida com uma grande lagoa, onde sua superfície estava completamente calma e lisa, como se nem o tênue toque do tempo a tivesse profanado. A água tinha um aspecto virgem e cristalino, brilhando em meio ao pálido cinza do céu nublado, como se estivesse coberta de encantamentos antigos que a protegiam do mundo exterior. A única coisa que tornava tudo aquilo estranhamente assustador, era o fato do odor peculiar ainda pairar sobre o local.
Sufean olhou em volta e viu que varias pedras estavam aglomeradas em torno do lago. Pedras de todas as formas e tamanhos. Pontiagudas, lisas, pequenas, enormes, mas a maioria possuía o formato característico de alguns animais, como se tivessem sido entalhadas daquela forma propositalmente. Uma, aos olhos do garoto, lembrava-lhe um enorme leão cinzento observando a água. O garoto avançou cuidadosamente e se aproximou do lago. A água incólume brilhava como se fosse feita de prata lisa. Subiu agilmente sobre uma enorme rocha que lhe lembrava um enorme crocodilo, aproximadamente da altura de seu ombro, também de frente para o lago. Caminhou sobre o dorso áspero de rocha do animal e sentou-se onde seria sua cabeça.
Esse lugar é tão calmo e passa tanta tranqüilidade. Eu poderia ficar aqui por um bom tempo. Pensou Sufean abrindo um largo sorriso. Jogou o corpo para trás e deitou-se sobre a rocha lisa, contemplando o céu com seus olhos perspicazes. Havia se esquecido da urgência que antes rugia em sua mente. Que tipo de magia ronda esse estranho lugar? Parece coisa dos elfos, mas eles já não vivem pelo norte há séculos.
O sussurro na natureza ecoava pela clareira, como se toda a sua beleza estivesse adormecida naquele local há muito tempo. Como se Sufean a tivesse libertado.
Uma estranha sensação de calor começou a tomar conta do garoto. Sentiu como se estivesse sendo afagado pela brisa calma, como se as arvores sorrissem para ele, como se o lago o amasse profundamente. Sentou-se novamente e seus olhos percorreram os animais de pedra. Sentia fome, muita fome e por um estranho acaso, algumas frutas alaranjadas do tamanho da cabeça de um cachorro estavam caídas em torno da clareira.
Desceu do grande crocodilo em um salto e caminhou calmamente, passando sua mão suavemente pela superfície fria das rochas. Apanhou uma dessas frutas e percebeu que elas não possuíam casca ou semente. Deu uma mordida e se surpreendeu com o gosto doce e delicioso que se espalhou pela sua boca. O liquido que saia a cada vez que ele a mordia parecia ter sido feito de uma mistura de mel e varias outras frutas deliciosas. Comeu ela em poucas mordidas. Depois, cruzou o caminho entre as pedras e observou todas calmamente. Cada uma delas possuíam uma forma única e perfeitamente bela, quase como esculturas. Algumas se assemelhavam a grandes animais quadrúpedes, como raposas e lobos de tamanhos exagerados, mas foras outras que chamaram a atenção do garoto. Havia três completamente distintas e maiores que as outras, fazendo com que o garoto não tivesse nem metade da altura de qualquer uma delas. Uma assemelhava-se a um grande cavalo de batalha, mas onde seria a cabeça, caso realmente fosse um, havia uma ponta do tamanho de um braço adulto emergindo e estendendo-se para o céu como um chifre. Ao seu lado, uma enorme serpente com o dorso acidentado cheio de pequenas pontas, se inclinava em direção a água, mas havia algo de diferente, possuía dois pares de patas fortes e robustas, cravadas ao chão. O animal parecia uma criatura imponente e orgulhosa, mostrando sua beleza selvagem. A ultima era a menor de todas, seu corpo assemelhava-se a um felino elegante e gracioso, mas seu rosto lembrava um rosto humano, completamente deformado e com um sorriso maligno abrindo-se, mostrando fileiras de dentes pontudos como de tubarões e afiados como navalhas. A calda, por sua vez, era comprida e fina como a de um gato e na ponta, dezenas de espinhos pontiagudos atravessavam-na.
Um unicórnio, um dragão e uma manticora. Porque tais esculturas estariam aqui? Pensou em seu intimo.
Subiu sobre a calda serpenteada do gigantesco dragão de pedra e escalou-lhe o lombo rapidamente, como fez com o crocodilo. Segurou firmemente nos lados do animal e se arrastou de bruços em direção ao focinho. Quando estava completamente deitado sobre a cabeça da criatura de pedra, parou para observar o lago novamente.
O local continuava suave e intacto. Uma sensação aconchegante começou a tomar conta de cada centímetro de seu corpo, como se o sol brilhasse sobre ele e lhe aquecesse como nunca havia lhe aquecido. De repente, um estranho sono começou a tomar conta de Sufean, tornando suas pálpebras pesadas e fazendo-as descerem lentamente. Relutante, o garoto esfregou os olhos na esperança de que afastasse aquela estranha sensação. Tenho algo para fazer. Tenho. Pensou. Então, em meio ao silêncio completo, um som baixo começou a ecoar e dançar pela clareira, como uma canção lenta, que parecia dizer-lhe que deveria descansar, que o calor viria e a fome seria levada para bem longe dali.
Uma impressão estranha pairava sobre o garoto, como se alguém estivesse disposto a dar tudo que ele precisasse. Amor, carinho, felicidade. Tudo que precisou em sua vida. Como se um fogo estivesse lhe abraçando com braços quentes.
Eu tinha uma missão, mas não me lembro, eu tinha algo a fazer.
Um vento calmo passou desapercebido pela água lisa da lagoa ,e nele, folhas douradas dançavam e rodopiavam.
Ela quer que eu durma, que me fazer bem. Eu sinto.
Um beijo quente roçou-lhe os lábios e lhe causou certo espanto por um instante, mas a sensação de algo lhe dando prazer foi eminente.
Seus olhos brilharam e sentiu seu rosto corar. Havia algo ali com ele, havia alguém. Uma garota, quem sabe?
Eu quero mais.
Seu corpo sentiu um calor quase humano tocando-lhe totalmente, esquentando cada centímetro de sua pele e fazendo seu coração bater mais forte. Sua respiração calma ofegava enquanto sentia um coração junto ao seu, palpitando no mesmo ritmo
Era uma sensação maravilhosa, nunca havia sentido algo desse jeito. Se sentia vivo como nunca havia se sentido. Seus olhos semicerrados cintilavam quando sentiu seu braço sem o manto e uma mão tocando-lhe por baixo de sua camisa.
Dê-me prazer.
Sentiu um par de lábios quentes e carnudos beijarem seu pescoço e mordiscar-lo delicadamente. Um seio roçava em seu peito lentamente então uma mão quente tocou-lhe o rosto e seus dedos seguraram seu queixo.
Um beijo. Pensou, antes de finalmente caiu em um sono profundo em meio aos sussurros do lago.
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