terça-feira, 27 de setembro de 2011

Elizabeth e o Bardo.

Elizabeth subia tranqüilamente suas escadarias de pedra negra. As tochas ao longo do caminho iluminavam o vestido preto e comprido que trajava escondendo seu corpo escultural.

Quando chegou ao final da escada, encontrou um patamar extremamente largo e infinitamente comprido. Murmurou algumas palavras ao ar e pequenos lampiões pendurados por cordas brilharam com uma chama amarelada muito forte que iluminou as proximidades. Todas as paredes eram completamente preenchidas de estantes de madeiras que se estendiam ao teto longínquo e escuro, onde a luz da chama não atingia. Todas as estantes estavam abarrotadas de livros de todas as cores, tamanhos e formatos, mas todos tinham algo em comum, eram muito antigos.

Atravessou o salão em passos firmes, que ecoaram pelo horizonte escuro, até chegar a uma serpente entalhada na rocha, envolta de um pedestal de mármore. Sobre ele, estava um grande e volumoso livro vermelho de paginas douradas, aberto exatamente no meio. Ao lado, jazia um tinteiro de vidro com tinta negra e uma pena branca e comprida.

Elizabeth molhou a ponta da pena na tinta e escreveu na parte de cima da pagina em branco com uma letra bem trabalhada e graciosa. “Kunor Revgarn Otkalyr” e esperou.

Em alguns minutos, um ruído curioso encheu as paredes do aposento, como se alguém ou alguma coisa arranhasse repetidamente a madeira com unhas compridas. O ruído começou a se tornar mais alto e acontecer mais rápido, até finalmente parar.

- Kunor Revgarn Otkalyr, minha senhora? – disse uma voz áspera vinda de cima.

Elizabeth olhou para uma das prateleiras de cima e, a dez metros de altura aproximadamente, uma estranha criatura estava parada como uma aranha.

Seu rosto se assemelhava ao de uma mulher com leves feições de uma serpente. Seu cabelo negro e liso lhe descia sobre o rosto e uma língua com duas pontas serpenteava para fora da boca. Seu corpo era cinzento e estava nu, mostrando suas articulações deformadas e seus membros tortos nas juntas e ligeiramente mais compridos.

- Sim, Urkana. – respondeu Elizabeth, fitando a criatura abominável com seus olhos negro.

Urkana balançou a cabeça e uma fina linha de saliva escorreu pela sua boca. Rapidamente, a criatura postou-se a escalar estantes como uma aranha. Fazendo o mesmo barulho desprezível que fez ao chegar, desapareceu na escuridão do teto.

Elizabeth olhou a sua volta.

- Devia ter mandado algum servo trazer-me uma cadeira. – resmungou.

Elizabeth estava sentada de pernas cruzadas, ainda com seu comprido vestido negro, em uma gigantesca poltrona dourada de estofado vermelho, completamente enfeitada com linhas semelhantes a raízes negras. Sobre sua perna, um livro grosso de capa esverdeada com letras brilhantes, talhadas em linho descrevia ‘Kunor Revgarn Otkalyr.’.

A saleta era pequena e revestida de móveis de madeira. Algumas estantes e mesas totalmente cheias de livros, que estavam empilhados e amontoados, preenchiam o lugar. Vários papéis estavam jogados por todos os cantos, completamente escritos com anotações e observações. Uma chamava brilhava dentro de uma esfera redonda e transparente, iluminando o apertado aposento completamente.

Dois batidos na porta soaram e preencheram o vazio do silencio.

- Entre. – disse Elizabeth em voz alta.

A porta de madeira abriu-se lentamente, revelando algo da altura de um homem completamente coberto por um manto marrom-escuro e volumoso que lhe cobria os pés, as mãos e o topo da cabeça. Tudo menos o rosto. O rosto estava escondido por uma risonha mascara branca de teatro.

- Alguém deseja vê-la, minha senhora. – disse o ser por baixo da mascara.

Elizabeth esboçou um meio sorriso desajeitado. Sabia quem era.

- Deixe-o entrar. – respondeu com delicadeza.

- Ao seu comando, minha senhora. – disse voz por baixo da mascara antes de sair e fechar a porta.

Elizabeth, que agora usava um vestido negro como o outro, porém decotado e com a barra na altura da coxa, esperou alguns minutos até ouvir outra batida na porta.

- Entre. – disse, com uma voz mais amigável do que de costume.

A porta abriu-se lentamente, fazendo um ruído arrepiante, e um homem entrou na sala em passos firmes.

Era um homem com quase vinte anos, de rosto fino e simétrico preenchido por uma barba por fazer. Seu cabelo era ralo e claro, quase dourado. Seus olhos esverdeados brilharam perante a chama dentro do vidro. Trajava uma camisa branca e sem adornos de algodão, botas de viajem e uma capa azulada e cheia de bolsos internos. Preso às costas, uma capa de couro deixava visivelmente claro que trazia um alaúde e no cinto balançava pendurada uma bainha, com varias escrituras em línguas antigas e desenhos complicados, e o cabo da espada possuía na ponta, um emblema com uma pedra negra reluzente.

- Você precisa se mudar daqui, minha senhora. – Sua voz tinha um tom firme e decidido. – O caminho até aqui é longo e cheio de perigos.

Elizabeth abafou um risinho com as costas da mão humana, cheia de pulseiras e anéis dourados abarrotados de pedras cintilantes, e respondeu.

- Perigos? Os únicos perigos por aqui são os meus. E foi de seu desejo vir por conta própria, bardo. Você é um viajante e está reclamando de caminhar?

O bardo colocou seu alaúde dentro da capa em um canto, apoiado verticalmente em uma mesa, e olhou em volta. Quando encontrou um banquinho alto de madeira, puxou-o para perto e sentou-se de frente para Elizabeth.

- Estou reclamando da dor que estou sentindo nos pés. – resmungou ele. – botas de segunda mão nunca me fizeram bem.

- Eu poderia dar-lhe tudo que quisesse. – disse ela encarando-o fixamente com seus olhos negros, agora sérios e serenos. – basta pedir ou aceitar os meus presentes.

- Eu não preciso disso, posso viver de musica e comer as notas do meu alaúde. – disse ele passando a mão sobre a barba em seu queixo com um tom ironicamente pensativo. – a propósito, você não está sangrando, não é?

Elizabeth abriu um meio sorriso pálido e depois lançou um olhar de desgosto para o homem.

- Você sabe que eu não sangro. Idiota. – disse com sua voz áspera e fria.

Ambos olharam-se por alguns segundos, imóveis, antes de soltarem uma risada alegre. A do bardo demorou mais para cessar.

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