terça-feira, 27 de setembro de 2011

Elizabeth e Rygar

As masmorras de Nevemoth se encontravam nas profundezas da terra e seriam completamente escuras, se não fossem os archotes que brilhavam friamente, pendurados nas úmidas paredes entalhadas na rocha negra. As trevas cobriam o local como uma sombra sólida que crescia desde o centro. Os corredores do calabouço eram íngremes e compridos, estendendo-se à frente em linhas retas. Neles, uma ao lado da outra, varias celas sombrias com barras de aço prendiam os Sussurros Da Noite.

Em meio aos inúmeros e vastos corredores, Rygar corria apressado, segurando na mão direita um pequeno lampião de ferro onde trepidava uma chama azulada. O homem não possuía mais do que vinte anos, e seus olhos claros procuravam qualquer saída daquele lugar sombrio. Enquanto passava pelos corredores abarrotados de celas, sentiu muitos olhos, cobertos de fúria e ódio, observando-o cruelmente. Esguio e magro como era, atravessou passagens apertadas e baixas, que eram comprimidas por todo o peso da gigantesca montanha acima.

Ao longe, Rygar viu um pequeno ponto luminoso que derramava sua claridade sobre uma escada de degraus altos. Continuou sua corrida frenética até passar por um portal de ferro, onde sob a luz do lampião, brilharam inscrições prateadas em alguma língua desconhecida. Sem dar atenção a isso, se apressou até finalmente chegar a uma sala ampla, com cerca de seis archotes, que davam cor à sala inteira. Quando se aproximou do centro do recinto, um forte rugido ecoou por todo o aposento, inundando o local com terrível força, fazendo os pelos da nuca do garoto estremecerem.

Está vindo. Maldição. Pensou enquanto virava-se em direção a um corredor estreito e apertava o passo.

O lampião balançava em sua mão e a chama trepidava friamente, quando escorregou em alguma poça de água criada pela umidade do local. Labaredas azuladas dançaram quando o vidro explodiu contra o chão e criou vida própria, movendo-se pelas. O fogo se espalhou como se consumisse álcool ou qualquer outro liquido inflamatório e começou a crescer em uma velocidade alarmante. O garoto havia batido a parte de trás da cabeça contra o chão duro e ainda estava atordoado quando se levantou. Saiu da área que as chamas consumiam e continuou a correr.

Atrás dele, o tilintar de garras apressadas, arranhando o chão freneticamente, e latidos ferozes, cheios de insanidade e raiva, avançavam pela masmorra, preenchendo-a com terror. Rygar virou-se para o corredor onde as chamas cresciam assustadoramente rápidas e vislumbrou a silhueta de um enorme lobo atravessa-las. Seus olhos eram a única coisa visível do animal, como duas esferas de gelo branco. Se fosse um animal comum, seu corpo teria sido clareado pela luz do fogo, mas isso não aconteceu, o lobo continuou escuro, correndo entre o fogo, como se fosse feito de sombras.

Rygar então subiu a escadaria o mais rápido que pode. Seus passos rápidos e largos ultrapassavam dois degraus de cada vez, até chegar finalmente a abertura de luz, onde uma grossa porta de madeira clara jazia aberta. Com um golpe rápido, atravessou o portal e fechou-a com toda a força, depois girou o trinco e certificou-se de que estava trancada.

Finalmente.

O garoto virou-se e percebeu que estava em uma sala comprida, completamente iluminada por chamas claras dentro de uma grande lareira de pedras escuras. Em volta do fogo, grandes almofadas de cores variadas estavam postas no chão liso de madeira. Eram feitas de algodão fino e em sua superfície, vários desenhos de linhas douradas as decoravam. Entre as almofadas, Elizabeth estava sentada de costas para o garoto, como se observasse a lenha queimando dentro da lareira.

Sobre suas costas nuas, alvas como um toque de neve inocente, um cabelo espesso e comprido brilhava, descendo em um emaranhado de fios desnivelados, escondendo uma tatuagem que lhe descia ao longo da coluna com finas linhas bem adornadas e entrelaçadas umas nas outras, seguindo o caminho de sua coluna. No topo da cabeça de Elizabeth, dois chifres curvos e grandes como de bodes, desciam-lhe até próximos das orelhas. Eles reluziram como prata polida perante o fogo da lareira.

- Onde estava? – sibilou uma voz fria, porém calma e sedutora, com as letras bem pronunciadas.

Rygar assustou-se ao ouvir a voz de Elizabeth. Toda vez que ela lhe dirigia a palavra, era para lhe passar um castigo terrível.

- Nas masmorras, como me foi ordenado. – balbuciou Rygar assustado. Sua voz trepidava como se um frio assassino tivesse tomado-lhe conta.

Um rugido fraco soou do outro lado da porta da qual o garoto havia vindo. Soou até se transformar estranhamente rápido em um lamento temível de dor e agonia.

- Você nunca cumpre direito o que lhe é ordenado. Como o Uivo Sombrio escapou? – perguntou Elizabeth.

- Eu fui dar-lhe carne, como vossa graça ordenou. – disse Rygar. - Porém, quando abri o compartimento, ele me atacou e eu não entendi direito o que se passou, foi muito rápido. Quando percebi, ele já estava na minha frente. Só tive o tempo para correr porque a corrente que o segurava ainda estava forte para detê-lo por alguns segundos.

Elizabeth levantou-se serenamente de sua almofada. Seu corpo completamente despido era alto e imponente. Possuía formas completamente simétricas e perfeitas, com pernas compridas e fortes. Ela virou-se para Rygar e caminhou em sua direção com uma delicadeza e beleza jamais vista. Seu rosto era forte e anguloso, com sobrancelhas finas e curvas sobre um par de olhos negros e sem brilho como uma madrugada sem lua. Seus lábios eram carnudos e de um vermelho vivo, contrastando com sua pele completamente branca. Mas algo tirava a beleza insuperável da Dama Da Noite. Seu antebraço esquerdo era coberto com o que, a primeira vista, poderia parecer uma luva comprida e negra, mas não era. Era carne em decomposição, preta como tinta, salpicada com leves toques cor de sangue. Não possuía unhas, apenas dedos, também negros, afiados como garras, longos como adagas.

Quando estava a poucos centímetros do garoto, abriu um grande sorriso, porém era uma visão perturbadora. Duas fileiras de dentes pontiagudos e extremamente polidos surgiram sob seu par de lábios cor de rubi, mas de alguma forma, era um sorriso muito confortador.

Rygan tentou sorrir de volta, mas não conseguiu mover-se. Estava completamente hipnotizado pelo atrativo corpo de Elizabeth.

- Não consegue falar, pequenino? – ela perguntou, ainda olhando para ele com seus olhos negros e sem vida. Agora, sua voz soara mais feminina e agradável.

Ele abanou a cabeça em um movimento rígido.

- Diga-me, porquê? – perguntou.

Rygan tentou falar, mas Elizabeth parecia ter-lhe jogado algum tipo de feitiço. Seus lábios tremiam quando tentou falar, mas acabou balbuciando qualquer coisa impossível de se entender.

- Eu não entendi. – disse ela abaixando lentamente até o pé do ouvido do garoto. – Pode repetir?

Os seios dela eram grandes e firmes, maiores do que Rygan imaginou ser possível, e estavam a pouquíssimos centímetros de seu rosto.

- Rygan, porquê não me responde? – murmurou ela, ainda ao pé do ouvido do garoto. – nunca esteve com uma mulher antes? Está me desejando?

Ele permaneceu calado.

- Não pode me esconder as coisas. Eu sei de tudo e sei o que está pensando. –

Rygan nunca havia visto nada tão belo em sua vida. Já esteve com outras mulheres anteriormente, na verdade, a serviço da Dama Da Noite, esteve com mais do que poderia contar, mas aquilo era diferente. Ela era a mulher mais bela que Rygan já havia visto em toda a sua vida. Ele a desejava. Desejava como nunca desejou nada em sua vida.

- Porque fez o trabalho errado, Rygan? – sibilou ela com sua voz sedutora. - Estou cansada dos seus erros. Se me contar, eu prometo fazer o que deseja no seu intimo, mas apenas se me contar.

Era uma armadilha, ele sabia, mas não conseguia dizer nada sobre isso. Por fim disse.

- Eu não queria errar assim, minha senhora. As coisas simplesmente escaparam do meu controle, como anda acontecendo sempre.

Ela voltou a olha-lo com seu par de olhos escuros. Eles faiscaram como as labaredas atrás dela por alguns segundos, então finalmente disse.

- Era isso que eu precisava, Rygan. Pode pedir o que deseja. –

- Desejo a possuir, minha senhora. – respondeu ele imediatamente, mesmo sabendo que se tratava de uma armadilha e não conseguindo resistir.

Ela sorriu mostrando seus dentes afiados.

- Como deseja, meu pequenino. – e deu-lhe um beijo de morte.

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