quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Belhorn

Era noite fechada ha muito tempo já quando Lorde Belhorn acordou em sua luxuosa cama, abraçando Magraty, sua esposa. Sir Loster murmurava seu nome baixinho com sua voz sussurrante.

- Lorde Belhorn, Capitão Crymer trás noticias da escavação. – dizia ele. – Disse que era urgente e que se não acordássemos o senhor, nós iríamos amanhecer com as cabeças na ponta de lanças.

Lorde Belhorn sentou-se na borda de sua cama, embrenhado em caros cobertores de seda enquanto Margraty ainda dormia ao seu lado em um sono profundo. Sir Loster entregou-lhe um envelope branco com o selo da Casa Dos Grifos fechando-a.

Ele era um homem alto e imponente, de pele clara, olhos profundos e negros como uma noite sem lugar, cabelos avermelhados, compridos e lisos, na altura dos ombros e uma um rosto de feições nobres. Seu nariz era fino e pontudo, sua boca era escassa de carne nos lábios e os primeiros sinais de sua idade que avançava, começavam a aparecer discretamente. Seus braços eram fortes e grossos, começando em ombros largos e terminando em mãos calejadas e firmes. Mas algo chamava mais a atenção do que sua beleza singular de um típico lorde. Uma grossa cicatriz descia desde sua têmpora, passando pelo rosto e parando no meio de seu pescoço.

A luz de uma vela acesa já no fim, trepidava em um castiçal ao seu lado. A chama dançava sobre o pouco de linha enquanto lia a carta com olhos sérios.

- Se o senhor quiser, posso mandar chamar o Capitão Crymer. – disse o cavaleiro. Sir Loester era baixo e atarracado. Usava uma cota de malha sob a armadura prateada de aço fervido que cobria seu corpo completamente com as placas sobrepostas. A armadura cintilava, refletindo a chama da vela. Usava também um elmo pontudo, o qual descia uma proteção nasal, escondendo seu nariz e fazendo cair uma sombra escura sobre seu olhar. Em uma mão, portava uma lança de lâmina comprida e larga.

Lorde Belhorn levantou-se da cama e gemeu quando suas costas rangeram com o esforço em plena madrugada. Não era um sujeito velho, tinha pouco mais de trinta anos, mas portava-se como um homem de sessenta.

- Chame-o. – respondeu rispidamente.

O soldado fez uma reverencia, abaixando-se com a mão sobre o abdômen e saiu.

Lorde Belhorn sabia que não eram boas noticias. Em seu âmago, sempre suspeitou que Lorde Tyrann não se inclinava perante os deuses do vento e das estrelas. Aquele idiota. Pensou. Então abriu a carta rasgando a ponta do envelope e puxou uma folha amarelada.

Seus olhos percorreram as poucas linhas escritas. Depois, percorreram novamente. Então em um acesso de raiva, amassou a folha fechando o punho sobre ela e a arremessou na parede.

- Merda! – rosnou sentindo o sangue subir a cabeça. – Aquele idiota!

Margraty se mexeu na cama e murmurou.

- Amor? Está tudo bem? – sua voz estava carregada de sono e cansaço. Havia dado prazer a seu marido naquela noite e encontrava-se cansada.

- Está, Margraty, vá dormir. – respondeu Lorde Belhorn. – Não se preocupe. Deite e relaxe.

A mulher sentou-se na cama e seus cobertores de seda esverdeada deslizaram suavemente em seu corpo, relevando sua nudez. Era uma mulher bela e atraente, apesar de sua idade avançada. Sua pele era clara como a do marido, mas seu cabelo comprido e liso era preto e sem brilho. Possuía feições bem torneadas com orelhas, boca e olhos perfeitamente simétricos.

- O que houve? – perguntou ela abrindo um sorriso e puxando Lorde Belhorn pelo seu roupão de dormir, fazendo-o cambalear pra trás e se sentar na beirada da cama. Então Margraty se ajeitou com as pernas ao redor do homem e começou a massagear seus ombros tensos e rígidos.

- Lorde Tyrann, enviou uma carta do Monte Viper dizendo que não vai parar as escavações. – respondeu ele enquanto inclinava a cabeça para trás e fechava os olhos, relaxando com a massagem.

Margraty massageava em torno da coluna do marido, com os dedos dançando entre as inúmeras cicatrizes.

- E é tão importante assim que ele pare as escavações? – perguntou ela. – Tem medo de que? De que as historinhas pra crianças se tornem verdade? – depois riu baixinho, cobrindo a boca com a palma da mão.

Lorde Belhorn suspirou.

- Não é isso. – respondeu ele, de forma cansada e arrastada. – Monte Viper ainda faz parte das nossas terras. Ele devia se lembrar disso! – E você também.

Margraty abraçou o homem por trás e beijou sua orelha.

- Não ligue para ele. – disse ela ao pé de seu ouvido. - O que você quer com aquela montanha esquecida pelos deuses? O que quer com ela se tem a mim?

- Margraty, pare. – disse ele rispidamente, afastando a orelha dos lábios carnudos da esposa. – Achron é lá perto e nós dois sabemos que precisamos de linhas de defesa lá. É um dos únicos pontos de resistência contra os reinos do oriente.

A mulher se afastou e deitou novamente na cama. Bocejou em alto e bom som e então disse.

- Você. Sempre falando de suas guerras particulares. Uma rainha precisa ser amada pelo seu rei!

Lorde Belhorn se arrastou pela cama e deitou ao lado de Margraty. Afagou seus cabelos negros e beijou-lhe de leve. Margraty. Você não entende... Pensou em seu intimo. Eu só quero protegê-la. E realmente queria, mas as coisas não andavam saindo como esperava. Precisava ter sempre soldados às portas de onde quer que fosse, precisava ordenar aos seus capitães que marchassem pelas ruas da cidade de Estiorly. Precisava de informantes em todos os bordéis e tabernas da cidade.

- Eu te amo, minha rainha. – disse, olhando-a nos olhos. Olhos faiscantes. Como os de um dragão.

- Eu... – antes que ela pudesse terminar a frase, o som de batidas na porta ecoou pelo quarto.

- Cacete. – resmungou Lorde Belhorn levantando-se da cama, gemendo quando ouviu suas costas estalarem. Apesar de ser um homem forte e viril, sempre estava resmungando de fazer esforço, quase como por costume.

Atravessou o quarto e abriu a porta. Sir Loster estava parado no comprido corredor. A luz dos archotes sombreava o cavaleiro dando-lhe um aspecto sombrio, apesar de sua baixa estatura. Ao seu lado, Capitão Crymer coçava a orelha. Era um sujeito de dezessete anos e feições magras. Usava a armadura de Capitão mal vestida, com ombreiras e braçadeiras tortas, como se tivesse sido colocada as pressas. Era um homem de rosto liso e bronzeado, com nariz achatado e olhar severo.

- Me trás noticias ruins, me acorda a essa hora da madrugada e ainda não se veste direito para uma convocação com o seu senhor? – disse Lorde Belhorn usando sua voz mais grave e forte.

Capitão Crymer pareceu desconcertado, como se tivesse perdido a força nas pernas.

- Perdão, senhor. Não quis fazê-lo nada disso. – respondeu após algum tempo, tentando aparentar a mais completa calma. – Só achei que as noticias eram importantes...

- E quanto à armadura? – Perguntou Lorde Belhorn no mesmo tom que havia usado antes.

- Eu... Eu estava cansado, senhor. Decidi deitar-me um pouco. – respondeu o capitão. – Cavalgamos três dias praticamente sem descanso... Se for do seu desejo um castigo, não reclamarei.

Lorde Belhorn abriu um sorriso mostrando suas fileiras de dentes alvos e perfeitamente alinhados.

- Estava apenas brincando, desempenhou bem o seu papel. Venha, vamos pra algum lugar fechado. As paredes têm ouvidos.

Abraçou o Capitão Crymer e direcionou-lhe delicadamente para dentro do quarto. Quando entrou, virou-se para Sir Loster e disse.

- Não quero ser incomodado. – e fechou a porta.

Margraty dormia novamente na cama, virada de bruços sobre o colchão. Lorde Belhorn pegou uma coberta de seda e cobriu as costas nuas da esposa.

- Sente-se, ali no canto, ao lado da escrivaninha, tem dois bancos.

Quando se virou, viu que os bancos de madeira acolchoados com duas almofadas vermelhas com detalhes dourados estavam um de frente para o outro ao lado da escrivaninha onde pousava um castiçal de ferro com velas apagadas. Pegou então a única vela acesa e foi até o castiçal. Enquanto acendia todas as cinco velas, uma por uma, perguntou.

- E então, como foi de viagem?

- Fomos muito bem, senhor. Estávamos em sete, como me foi ordenado. – começou o capitão. – Sete cavaleiros juramentados a cavalo. Seguimos o Rio Das Lilases pela estrada e chegamos a Achron. A cidade estava esquisita, os cidadãos nos olhavam com cara feia e pagamos três vinténs de prata para dormir em uma estalagem digna e colocar nossos cavalos no estábulo.

- Muito mais caro do que qualquer outra estalagem da região. – comentou Lorde Belhorn quando terminou de acender as velas. Colocou a ultima vela de volta no lugar onde estava e sentou-se de frente para o capitão. – continue.

- Na manhã seguinte, fomos para o Monte Viper, onde encontramos Lorde Tyrann inspecionando a escavação. – continuou - Ele me deu uma carta e mandou que nós fossássemos embora, se não, seriamos obrigados a isso. No meio do caminho de volta, passamos pelo Bosque Das Sete Arvores, onde fomos atacados por uns vinte bandidos. Estava muito bem armados para vagabundos do mato, isso eu garanto. Foi uma emboscada. Pegaram-nos pela retaguarda, mas quando matamos oito deles e perdemos dois dos nossos, eles fugiram.

Lorde Belhorn ouviu a tudo atentamente. Praticamente não piscou e, quando Capitão Crymer terminou o relato, bufou pesadamente se ajeitando na cadeira. Trabalho dos grifos. Devia ter mandado mais homens.

- E a escavação? – perguntou. – Como está?

- O Monte Viper está cheio de buracos em sua superfície, senhor. – respondeu o capitão lentamente, como se tentasse se lembrar do que vira. – Haviam cavernas feitas à picareta, indo para as entranhas da montanha. Mas não vi mais nada, não pude chegar muito perto, já que algumas dúzias de soldados interceptaram a mim e os meus homens.

Belhorn parecia inquieto. Não gostou da notícia que havia recebido, pois os homens que havia mandado eram cavaleiros raros nesses tempos, cavaleiros que faziam jus aos seus votos.

- Muito bem, pode se retirar Capitão Crymer. – disse Lorde Belhorn com um sorriso amarelo no rosto. – Seus serviços foram de grande ajuda.

O Capitão Crymer levantou-se do banco com os pés juntos e tocou o peito com o punho fechado.

- Ás suas ordens, meu senhor. – disse como se estivesse em coro e se retirou do aposento.

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