quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Trem.

David via. Chovia muito fora do trem. Grossas gotas desciam de um céu cinzento naquela manhã de sexta-feira, e chocavam-se fortemente contra o vidro. Do lado de fora, o mundo era outro. Havia vales e montes, cobertos de grama verde-clara e arvores antigas, cujos galhos balançavam com o vendaval que soprava. Do lado de fora, raios caiam cortando o céu com suas linhas tortuosas e pálidas. Do lado de fora, as coisas aconteciam, do lado de dentro não.

Era um trem velho e fedorento, com cara milímetro coberto de poeira ou alguma outra substancia igualmente nojenta. O ventilador no teto girava, fazendo circular o ar quente e pesado, liberando por vezes, a encantadora magia da sujeira sobre a cabeça dos passageiros. Mas não era a poeira, o trem velho ou o ventilador que mais irritava David. Era a superlotação do vagão. Havia oito pessoas por metro quadrado e ele ainda se perguntava como isso era possível. Eram pessoas de todos os tipos, todas as idades, todas as classes sociais, e mesmo assim, eram todas iguais.

Uma garota de aproximadamente cem quilos ouvia musicas em seu fone de ouvido. Ela tinha tatuagens de cruzes, flores e estrelas descendo desde a têmpora, passando pelo pescoço e desaparecendo dentro de um decote absurdamente grande. Ao seu lado, um homem de terno e gravata estava com o corpo fortemente prensado contra a porta de vidro. Ele carregava uma pasta à mão e já era calvo no topo da cabeça, mesmo parecendo ter menos do que trinta anos. Ao seu lado, um homem negro e alto vestia uma camiseta com o time de futebol preferido. Ele usava boné preto e olhava para fora impaciente. Apesar de suas diferenças claras, eram todos iguais. Eram seres humanos lutando pelo seu lugar na selva de concreto. Sempre apressados, sempre preocupados em conseguir um melhor emprego que o vizinho. Sempre se vangloriando de quantos orgasmos tiveram na noite passada. Típico ser humano comum, dizia David. O único animal que se permite atrasar os outros, abrindo a porta automática do trem usando a força bruta.

- Porra de trem quente... – murmurou David para si mesmo. Era um garoto alto, de olhos verde-musgo e cabelo escuro e curto. Tinha a pele pálida e era muito magro, com pernas e braços mais compridos do que deveriam ser. Vestia uma camisa preta que pegou aleatoriamente de seu guarda-roupa, enquanto seus olhos ainda estavam embaçados de sono, um reflexo de uma noite mal dormida, já que estava ocupado demais com seu jogo novo de computador.

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