- É difícil ficar nessa porra de cela o dia todo. Estou cansado de ver o gordo do Carter, toda a manhã, batendo com o cassetete nas grades pra me acordar. Eu sempre estou acordado.
O sujeito pálido olhava para o pequeno ratinho no outro canto do aposento escuro e úmido. O animal o encarava com seus olhos minúsculos, como se soubesse muito sobre ele.
- Sabe, o Andrew é engraçado, apesar de tudo. O filho da puta acha que é o Capitão America. Já perguntei por que ele não entortava as grades e ele disse que haviam tirado seus poderes. Imbecil. – soltou um risinho abafado.
O ratinho levantou-se, apoiando-se nas duas patas traseiras e olhou para a cela da frente.
- É ele. Deve estar batendo uma. Estou acostumado. – sussurrou para o animalzinho. – Eu odeio essa merda de lugar. Essa cela é fria pra cacete e sempre tem água escorrendo da parede. O lugar de onde você veio é parecido, né? Quero dizer, o esgoto deve ser mais ou menos como isso aqui... É sujo e fede a merda. Fede a carne se decompondo e aquela coisa preta que escorre do lixo.
O homem sentou-se finalmente no chão ao lado do animalzinho.
- Sabe, eu nunca vou esquecer nada que passei. Agora, aqui no corredor da morte, nós aprendemos a dar valor aos momentos bons que passamos. Os momentos ao lado de Amy... Nós dois sabíamos que o tempo ia matar o nosso namoro. Nós estávamos sempre tristes, falávamos sobre amor e felicidade, mas sabíamos que nunca encontraríamos nada disso. Foi tudo mudando aos poucos. Você já teve uma namorada?
O ratinho não respondeu.
- Pois é. Eu tive apenas a Amy. Ela tinha cabelo claro e me ensinou a correr atrás do que eu queria. Nós passeávamos com os cachorros por um parque verde, mas agora só restou remorso. Agora eu estou sozinho e não tenho ninguém pra me visitar aqui. Ninguém pra me confortar. Ela deixou os bons tempos passarem, meu amiguinho. Ela esqueceu tudo o que passamos. Deixou nosso amor pra trás, deixou os bons momentos e as lembranças. Ela me deixou cicatrizes. Tanto físicas quanto interiores. Aqui, quando as luzes se apagam, eu ainda consigo ver os olhos azuis dela brilhando nas sombras, assim como conseguia ver na fumaça do cigarro. Ela era a minha vida, entende? Era a minha alma gêmea. Agora... Está tão distante que eu não posso nem procurá-la mais. Ela foi pra outro lugar, ratinho.
O animalzinho soltou um ruído e mordiscou o dedo do homem.
- Porra, estou te contando tudo aqui e você me morde? – resmungou. – Bom... Conheci Amy na escola. Eu estava detido na direção, esperando a coordenadora, quando ela entrou. Eu havia pichado o banheiro e quebrado a pia, mas ela... Ela não havia trazido um livro qualquer. Sabe, essas escolas são uma hipocrisia pura. Pros professores e os outros merdas de lá, temos que sempre estudar muito pra ter um bom emprego pra ter muito dinheiro. Se foder o emprego. Se tivesse feito o que eles me mandavam, estaria na minha casa, com uma caminhonete na garagem e um monte de merdas em volta me sugando. Esses sim são homens respeitáveis... Mas não vem ao caso. Amy entrou na coordenação, olhou nos meus olhos e sorriu. Por algum motivo eu disse a mim mesmo que queria ver aquele sorriso pelo resto da minha vida. Fui expulso naquele dia, mas ela não me julgou. Eu sempre fui um garoto problemático. Encontrei meu pai estuprando a minha mãe, dando tapas no rosto dela e dizendo que se não pudesse fode-la, iria foder outras. Acho que isso ajudou a me tornar o que sou hoje. Voltando ao assunto, saímos da escola e fomos a uma sorveteria. Ela ria das minhas historias e dizia que eu era maluco. O beijo dela tinha gosto de mel. Provei-o no mesmo dia, antes dela ir. Enquanto ia para casa, observei-a. Uma puta, eu sabia, mas andava como uma garotinha. Me encontrei com ela nos outros dois dias e ela me chupou em um banheiro publico. Nunca tinha provado nada tão bom, ratinho.
O animal grunhiu e mordiscou o pão duro ao lado do homem.
- ah, desculpe, não sabia que estava com fome. – disse. - Bom, a verdade é que eu sabia o que ela era. Era uma vagabunda. Kurt, um colega meu, me disse que ela havia entrado em um quarto com três caras no mesmo dia. Disse que haviam comido tanto ela, que ela estava andando com as pernas abertas. Mas eu não me importava. Eu acho que já a amava ai. Então, pedi-a em namoro. Ela aceitou... Naquela noite não fodemos. Nós namoramos. Namoramos até o sol raiar. Até o nosso suor se misturar. Até nos sentirmos um só. Foi um dia pra recordar. Os olhos dela brilhavam e eu a beijava. Mas ela sabia. Sabia que aquilo não duraria muito. Começamos a sair e ela me ensinou muitas coisas, coisas que são ensinadas na escola, mas de algum jeito, camuflam pra que pareça uma merda. Nós corríamos como um só. Brincávamos de lutinha e eu sempre a deixava ganhar. Andávamos de bicicleta no sol forte. Bebíamos água, mas só depois de jogar um pouco dela um no outro... Então acabou. Rápido como um raio. Eu não podia respirar sem ela. Eu sangrava dos braços, das pernas, do peito e mesmo assim ela não via. Eu me engasgava com remédios e pílulas de calmantes e anti-depressivos de tarja preta. Eles desciam pela minha garganta com Whisky forte e me faziam fingir que estava melhor enquanto só secavam as minhas lagrimas. Tudo isso por que ela achou que seria uma boa idéia abrir as pernas pro Kurt. Filhos da puta.
O homem pegou o pão duro e quebrou no meio. Deixou metade no chão, para o ratinho e começou a mordiscar a outra metade.
- Eles se foram, ratinho. Foram para sempre. Quando descobri, abri a cabeça dela com um bastão de baseball. Ela dizia que o nosso namoro não iria acabar, mas eu não acreditei. Não acreditei quando ela virou de costas e foi embora enquanto eu chorava. No outro dia, ela disse que queria repensar sobre tudo aquilo. Foi o pior dia da minha vida. Ela não tinha palavras, não queria contar que queria transar com outros. Ela não me amava e eu sabia. Ela me punia. Vagabunda. Ela me beijou no rosto e foi dançar sua dança com outro homem. Amy nunca recordaria do que eu me recordo. Ela fingiu sorrisos. Mas Kurt pagou. Esse pagou. O desgraçado tinha pernas compridas, corria muito. Mas depois que acertei o joelho dele, ele caiu no chão como merda. Os golpes de bastão podem machucar muito se forem dados com força. Em uma fúria cega, abri o crânio dele e o sangue pintou todo o meu rosto. Sangue que eu não podia mais limpar. O ódio então foi crescendo como uma semente. Você não entenderia, querido ratinho. Não sabe o que foi crescer chegando em casa e vendo seu pai drogado esmurrando sua mãe. Estuprando ela na sua frente e se sentir impotente. Eu não tinha amigos, ninguém podia me ajudar. Tudo era silencio. Tudo. Tudo abafava o choro a noite. Mas, em meio ao silencio, eu ouvia os gritos sufocados da minha mãe. Quando eu os vi a primeira vez, meu pai começou a me bater sempre. Ele chegava tarde em casa, estressado com o trabalho. Pegava um fio qualquer e me batia até ver sangue. Naquela noite, meu pai estava pelado, com aquele pinto murcho dele, quando eu esfaqueei as costas dele. Ele gritou e perguntou “Por quê?” com os olhos esbugalhados de dor. Eu o encarei nos olhos e respondi baixinho. “Ninguém pode te salvar, mas vou te livrar dessa merda de vida que leva, já que tem tanta raiva assim.” Naquele dia mamãe me abraçou como nunca havia me abraçado. Chorou no meu ombro e disse que eu era um ótimo filho. Ela ainda não sabia que era a terceira pessoa que eu já tinha matado.
Carter, o carcereiro, passou pelo corredor girando seu cassetete como se rodasse uma bolsinha e bateu na grade da cela onde o sujeito conversava com o ratinho.
- Tá ficando louco já, Dylan? – riu. – vai aproveitando o tempo que te resta, companheiro. – e saiu às gargalhadas colocando as mãos sobre a barriga inchada.
- Eu fui pego no outro dia. A policia disse que alguém tinha ouvido os gritos e denunciado... Sabia que essa merda toda não ia me levar pra um lugar decente...
Dylan segurou o ratinho na mão e acariciou seus pelos ralos.
- E todo o dia é assim, meu amiguinho. Apenas remorsos.
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