O bastardo era uma taberna repugnante e suja. Havia sido construída sob uma estalagem e por isso, só era possível chegar lá descendo por dentro da mesma, em uma escada escura e comprida. Era um lugar mal iluminado, com meia dúzia de mesas redondas de madeira com cadeiras à sua volta. Em um canto, a madeira estalava dentro de uma lareira de pedra cinzenta e as labaredas dançavam aquecendo o ambiente. Por não possuir janelas, era um lugar abafado e claustrofóbico, onde a fumaça pairava no ar e a cerveja banhava o chão. Um balcão comprido se estendia no fundo do aposento e atrás dele, um homem alto e robusto, com os braços grossos e forrados de músculos, colocava cerveja em uma grande caneca de vidro. Ele possuía o cabelo louro, rareando no topo da cabeça, e a pele escura, marcada por cicatrizes e queimaduras. Uma barba vasta cobria o rosto redondo e dava-lhe um aspecto selvagem. Atrás do homem, uma grande estante feita de madeira de carvalho, exibia uma variação de dezenas de garrafas diferentes, de tamanhos, líquidos e formas únicas.
Os clientes não pareciam muito amigáveis. Cinco sujeitos estavam sentados em uma mesa, onde algumas canecas de cerveja jaziam vazias, ao lado de um pequeno copo de plástico e um par de dados de jogo. O homem no centro era alto e cego de um olho. Usava um manto cinzento com a ponta rasgada e tinha uma barbicha negra, como seus cabelos, no queixo. Os outros homens pareciam cidadãos comuns. Um deles suava com um saco de dinheiro nas mãos, berrado para os dados “Três! Por favor, três!”.
Em todo o caso, a taverna estava particularmente cheia. Homens de aparência exótica assediavam duas rameiras de cabelos escuros e maquiagem pesada. Outros dois sujeitos conversavam com uma mulher de cabeça raspada e roupas sujas. Mas, o que realmente chamou a atenção de Joel, quando ele entrou no O Bastardo, foi uma roda de sujeitos no fundo do aposento. Eles murmuravam e seguravam moedas em sacas de couro e na mão. Quando Joel se aproximou, entendeu o que ocorria. Os homens estavam aglomerados em torno de uma pequena cerca de madeira, onde uma serpente negra, de brilho esverdeado e espinhos por toda sua extensão circundava um pequeno mamífero alaranjado com presas grandes demais para a boca. Logo os animais começaram a se atacar. A serpente enrolou-se rapidamente em volta do animalzinho e começou a esmagá-lo, enquanto o pobre mamífero tentava, em vão, arranhar o corpo comprido que o matava lentamente. A multidão aplaudia e urrava “Acaba com ele!” e um homem de orelhas adjacentes resmungava “E me disseram que esse bicho de merda era predador de cobras”. Eles estão apostando em qual animal mata o outro primeiro. Pensou Joel, observando incrédulo. Seres repugnantes. O mamífero soltou um guincho de dor quando o som de sua coluna vertebral se partindo soou baixinho e ele parou de se debater. Antes que a serpente pudesse comer o corpo do animal, Joel se afastou e sentou-se em um banco alto de frente para o balcão.
Não devia ter deixado Dedinho lá fora. Os homens daqui não parecem nada gentis. Imaginou dedinho mostrando sua navalha de barbear para um dos sujeitos grandes e fortes da taverna. Devia ter pegado a minha espada. Mas ai, todos iam perceber que não sou qualquer um...
- Com licença? - perguntou o atendente do bar, caminhando do outro lado do balcão com olhos desafiadores, até parar na frente de Joel e colocar os cotovelos sobre a mesa, deixando expostos seus braços musculosos intencionalmente. – quer uma bebida?
Ele deve saber que sou um forasteiro. Esse tipo de gente sabe de tudo que acontece nas redondezas. Pensou. Melhor jogar o jogo dele.
- Uma cerveja bem gelada, por favor. – sorriu Joel. Ele sabe. ¬Preciso pensar em algo. – Vim de Belgeon atrás do meu primo. Nunca tinha visto uma cidade tão grande.
O taberneiro parecia incomodado. Respirava lentamente, em fortes golfadas e, de alguma forma, Joel pensou ter ouvido-o rosnar baixinho.
- hmm... – murmurou ele olhando para o lado. Ele não está querendo conversar. Homem esperto.
- Por acaso, você conhece Dorian? Ele me disse para encontrá-lo aqui às três da tarde, mas cheguei atrasado.
O homem pegou uma caneca de vidro, que aos olhos de Joel, devia caber aproximadamente um litro, e foi até um grande barril. Abriu a torneira e deixou o liquido amarelado preencher o recipiente. Sem nunca tirar os olhos dele.
- Aqui. – disse o homem trazendo a caneca e colocando-a sobre o balcão a frente de Joel. – E... Dorian? Não conheço. Ninguém gosta de usar o nome verdadeiro. Não aqui dentro.
É um sujeito cauteloso. Não é de se admirar que esteja vivo até hoje, com a fama que esse lugar tem.
- Entendo. – disse, fazendo força para parecendo decepcionado. – Ele deve voltar amanhã, não acha?
O atendente limitou-se a resmungar.
- Sobre a estalagem ali em cima... – começou Joel, apontando para o teto com o dedo indicador, tentando mostrar-se simpático. – Sabe quanto custam os quartos?
O sujeito endireitou-se e coçou a barba desgrenhada e selvagem. Aproximou seu rosto rechonchudo do rosto de Joel até ficar a um palmo de distancia. Olhou rapidamente para trás dele e voltou a encará-lo.
- Eu sei qual tipo de pessoa é você, viajante. – disse em voz baixa. – aqui, nós não queremos problemas, portanto, vá embora.
Joel levantou-se da cadeira e riu. Ele sabe. Virou-se de costas e o que ele havia procurado com seus olhos. Uma garota de aproximadamente catorze anos, entregava uma caneca de cerveja a um homem que a apalpava e ria, contando vantagem para os outros homens. Tinha a pele clara, cabelos louros, curtos e mal cuidados, e um olhar indiferente para o sujeito que a assediava. Está acostumada, não é?
- É um homem amargo para um dono de taverna. – disse Joel em tom zombeteiro. - Deveria tratar melhor os cli...
Antes que pudesse terminar sua frase, a porta do estabelecimento abriu-se de subitamente, chocando-se contra a parede e fazendo um barulho que todos lá dentro ouviram. Dois sujeitos saíram do portal. Um segurando Dedinho com uma faca em seu pescoço e o outro carregando com um machado de lamina única. Mercenários. Merda.
Ambos usavam um gibão de couro negro, calças marrom-claras e botas de viagem. Nos cintos, pendiam as bainhas de adagas. Ambos eram homens altos e robustos, de olhos negros e profundos, mas o que segurava mindinho era completamente calvo, com a barba por fazer. O outro tinha os cabelos negros, descendo-lhe nos ombros, ensebados e grudentos, brilhando sob a luz do fogo na lareira.
Mindinho estava quieto como uma estatua, encarando Joel firmemente. De seu pescoço, onde a faca o pressionava, escorria um filete de sangue.
- Onde está o dono deste pirralho de merda? – guinchou o que segurava mindinho, com um sorriso malicioso no rosto. Filho da puta.
Joel ficou quieto por um tempo. Pense. Pense! Idiota, deixou a espada no cavalo. Os homens entraram na taverna e empurraram uma mesa que estava no caminho para o chão. Ela tombou sobre o piso de madeira e as moedas e dados que estavam sobre ela tilintaram no chão de madeira. Os homens que estavam jogando na mesa se levantaram da cadeira em fúria. O que comandava o jogo, simplesmente ocupou-se recolhendo as moedas do chão.
- O que vocês querem aqui? – perguntou um dos homens. Era um sujeito musculoso, de roupas novas e sandálias de boa qualidade. Possuía olhos verde-escuros e, em seu cinto, pendia um grande facão de limpar peixes. – Não deviam estar nesta taverna! Aqui é um lugar alheio ao resto! Ótimo, salvem a minha pele.
Joel caminhou lentamente em direção a garota a qual o taberneiro havia lançado seu olhar e pegou uma faca de cozinha, que estava espetada sobre uma coxa de porco, sobre uma mesa no caminho.
- Não estamos aqui por sua causa, marinheiro! – cuspiu o sujeito com o machado em mãos, girando-o, como se estivesse se segurando para não arrancar a cabeça do homem que o encarava. – Cuide da sua vida, pau-de-peixe.
O Marinheiro pareceu irritado.
- Se disser isso mais uma vez, mercenário...
- Pau-de-peixe. – disse o mercenário em tom de escárnio. – A rameira da sua ex-esposa contou a meio mundo que o seu pau fede a peixe podre. Talvez seja por que andava fodendo os pobres animais que pescava, já que passava tanto tempo no mar.
O marinheiro ficou com o rosto vermelho de raiva, antes de investir contra o homem de machado. Puxou o facão da bainha no cinto e correu em sua direção. Quando alcançou o oponente, atacou com o facão, visando uma estocada, mas o mercenário esquivou-se para o lado e empurrou o homem com o cabo do machado de lado no estomago do sujeito, afastando-o. O homem cambaleou, mas quando havia recobrado o equilíbrio, o mercenário havia levantado o machado acima da cabeça e descido, cortando o ar.
O marinheiro deu alguns passos para trás, evitando a lâmina, mas acabou tropeçando com o calcanhar na mesa caída e desabando sobre ela. Ele é bom.
O mercenário de cabelo comprido moveu-se mais rápido do que Joel julgou ser possível para um homem daquele porte e a lâmina cravou-se entre os olhos do marinheiro, que permaneceu parado, com uma linha de sangue escorrendo pelo rosto. A lâmina do machado penetrou até a metade, atravessando o crânio. O homem gemeu qualquer coisa e parou de se mover. Porra.
- O que vocês querem? – perguntou Joel. Ele estava atrás da garçonete de cabelos louros, segurando-a na cintura e com a faca de cozinha com a ponta na garganta da garota. Sentiu o cheiro de perfume de cravos misturado com vinho e sêmen. – Soltem o garoto ou eu abro um buraco nesse pescoço lindo.
O mercenário com a adaga no pescoço de Mindinho soltou uma gargalhada, mostrando seus dentes marrons, desalinhados e manchados pela pobreza.
- De que serve está belezinha ai pra nós? – disse, parecendo se divertir imensamente com a ameaça. – Se eu a salvar, ela abre as pernas pra mim? – terminou, rindo novamente.
O homem de cabelo comprido deixou o braço pender e o machado encontrou a lâmina afiada no chão, mas ainda segurava seu cabo. Ele saiu caminhando vagarosamente pelo salão, arrastando a arma pelo piso de madeira, fazendo um som irritante. Vocês acham que vão sair tão fácil dessa?
- Se você der mais um passo, eu mato ela. – disse Joel, com seus olhos frios e sérios. – falo sério.
Um som de algo rápido irrompeu. O homem parou. Mas não parou de bom grado. Uma seta havia entrado em seu braço, um pouco abaixo do ombro. Era toda de madeira e comprida, com dez centímetros de comprimento. O sangue espirrou do local atingido e escorreu pela extremidade de seu bíceps. O machado desabou no chão quando seus dedos fraquejaram.
- Porra! – exclamou ele, puxando a seta do braço enquanto soltava um gemido singelo e olhava para a direção de onde ela havia vindo.
O homem do balcão estava parado apontando uma besta, ainda carregada com duas setas, para o mercenário de cabelos compridos. Seus olhos estavam ferozes como de um animal protegendo sua cria. Sérios e duros como rocha.
- Se ele matar a minha filha, a próxima seta abre um buraco na porra da sua cabeça. – disse o homem, deixando sua voz grave fluir entre os dentes cerrados.
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